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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

“Temos um ‘back office’ monstruoso na Marinha” (Portuguesa)

O almirante Melo Gomes, de 64 anos, deixa o cargo de Chefe do Estado Maior da Armada no dia 28 de Novembro, por limite legal, e diz que Portugal tem que rever a estratégia, reduzindo o ‘back office’ ou aumentando o número de navios. 

Nesta entrevista ao Diário Económico reconhece que os submarinos são caros - "uma soma importante" - e que há pessoal a mais na rectaguarda da Marinha.

A polémica em torno das contrapartidas não afectou demasiado a imagem da Marinha e do país? Cerca de mil milhões de euros a pagar (o primeiro submarino levou inclusive ao agravamento do défice para 9,5%) são fáceis de explicar às pessoas numa situação de crise tão profunda?
Em relação à questão dos submarinos, considero-a um caso encerrado, porque após seis legislaturas, sete governos, 11 ministros das Defesa, três presidentes da República, inúmeros conselhos superiores de defesa nacional que ratificaram essa decisão e tomaram a capacidade submarina como uma necessidade para o nosso país, eu não tenho mais nada a dizer sobre esse aspecto.

Não afectou, portanto, a imagem do Estado e da Marinha?
Acho que não é isso que conta, mas sim as opções estratégicas que enformam decisões muito importantes para o nosso mar.

Mas a conjuntura mudou com o agravamento da crise. Isso não altera os pressupostos?
Concordo inteiramente, mas a questão é que a estratégia não muda com as conjunturas: é permanente. E portanto, essas opções foram tomadas, maduramente pensadas, e para mim neste momento a única questão que tenho é a de comprovar que os submarinos correspondem ao que está no contrato: efectuar testes no sentido de que garantam a capacidade e performance que nós queremos.

E isso está assegurado?
Pelo menos será esse todo o meu esforço e de toda a Marinha.

Estes navios são os mais adequados para as necessidades e para o controlo do mar após eventual extensão da plataforma continental?
Temos que conhecer o que se passa no nosso mar. O que se passa na superfície e o que se passa na profundidade. E só com submarinos é que isso é possível. Temos que defender os nossos interesses. Além disso, os submarinos têm uma capacidade de dissuasão inigualável de todos os sistemas de armas que existem no nosso sistema de forças, e são absolutamente essenciais para projectarmos força onde quer que seja. Mas já agora gostava de lhe dizer, porque ficou no ar essa questão das contrapartidas, que nós Marinha não tivemos absolutamente nada a ver com o contrato de contrapartidas. A não ser nas contrapartidas directas, ou seja, aquelas que dizem respeito a equipamentos que vêm em paralelo com os submarinos, e de que a Marinha será beneficiária: com essas tivemos a ver e essas foram cumpridas.
Acho que temos que colocar as coisas com a dimensão própria: eu, de facto, considero que os mil milhões de euros são uma soma muito importante e que os submarinos são, de facto, uma despesa muito significativa, mas, como sabe, há outras despesas do Estado que têm muito maior relevância do que estas. Se quiser comparar com o que vale o mar, no estudo do professor Ernâni Lopes [através da Saer], recentemente efectuado, e que será de 20 mil milhões de euros anuais: os submarinos não são mais do que 5% disso.

A ameaça de a Autoeuropa, empresa alemã como a Ferrostaal que vendeu os submarinos, poder sair de Portugal fazendo perder millares de empregos condicionou a decisão final de compra dos submarinos, como referiram alguns especialistas? O Estado português e a Marinha foram empurrados para a conclusão do negócio por questões económicas e não militares?
O senhor jornalista conhece essa realidade muito melhor do que eu e não me atrevo a fazer essa ligação entre a realidade da Autoeuropa e a realidade dos submarinos. Sou um militar, sou o chefe do Estado Maior da Armada e não me compete a mim falar de assuntos que desconheço.

A pergunta é na perspectiva da Marinha, no sentido de perceber se a decisão final de compra dos submarinos acabou por ter mais a ver com questões económicas do que militares?
Acho que a primeira resposta que lhe dei responde a essa pregunta: é uma decisão absolutamente política. É nesse patamar que encontrará certamente desposta para a pregunta que me está a fazer. Não é certamente no patamar militar.

Concorda com as recentes críticas do Presidente da República Cavaco Silva que apontam para uma certa ausência de verdadeira estratégia para o mar?
Não me atrevo a comentar as opiniões do senhor Presidente da República. Mas o senhor Presidente da República tem dedicado ao mar uma atenção especial, aliás dentro do que tem acontecido dentro da sociedade civil e na sequência também da intervenção que outros presidentes da República, como Mário Soares, tiveram em relação ao mar. Porque, de facto, o mar confere uma identidade irrecusável a Portugal, e portanto é o que enforma a nossa geografia. O António Sérgio, ou o Jaime Cortesão, diziam que a nossa história passa por uma série de tentativas para explorar as possibilidades atlânticas do nosso território. E eu concordo com o que ele diz. Isso, julgo que é irrecusável. Em relação à estratégia, julgo que as estratégias estão suficientemente definidas: o mar tem passado, a comunicação social também tem ajudado a que isso se faça, tem estado na opinião pública e tem estado no debate. Portanto, julgo que já houve suficiente debate das questões do mar. Há suficiente estratégia: há uma estratégia nacional e europeia para o mar. Mas agora falta uma questão essencial, para mim, que é a de operacionalizar essa estratégia. Temos que concretizar os elementos dessa estratégia, e isso é que na minha opinião tem faltado. E isso é dizer e sublinhar aquilo que diz o senhor Presidente da República tem dito. Tenho ideias sobre o assunto...

Qual é a prioridade na exploração do mar?
Há uma comissão interministerial, que está bem, que precisa de ter depois um segmento executivo que, na minha opinião, ainda não está suficientemente concretizado. Por outro lado, ao nível da sociedade civil, estes debates, os seminários, são todos muito importantes e trazem-nos acréscimos de conhecimento. Mas é preciso concretizar as ideias. E para concretizar as ideias é preciso acompanharmos o que tem acontecido no mundo marítimo nos últimos anos. Perdemos a janela de oportunidade, talvez, dos cruzeiros. É um negócio que está aí, e vemos Lisboa ganhar o ‘World Leading Cruise Port' em 2010, que é muito importante porque é um porto de excelência para navios de cruzeiro. É um segmento em que poderiamos ter apostado talvez mais. Mas não podemos ignorar que há estudos que dizem que o comércio de contentores nos últimos anos crescerá 30%. Há uma declaração de um dos maiores transportadores do mundo de contentores, a Meiers, que diz que 2010 será o maior ano desde 2004. E estou a citar-lhes estes números, mas posso ir a outros exemplos. Em Singapura, como sabe um grande porto, a Neptun Orient Line que é o sexto maior transportador do mundo de contentores, em 2010 cresceu 35%. Há uma janela de oportunidade para um grande armador marítimo nacional. Temos que criar condições para que isso se possa, de facto, concretizar. Não podemos estar permanentemente a delinear estratégias sem as concretizar: temos que ter um grande armador ou armador médio em termos mundiais. E isso foi uma coisa que nós já fizemos: no século XV tivemos um grande comerciante aqui em Lisboa, que se chamava Fernão Gomes, a quem o Rei criou condições para que descobrisse a costa ocidental de África. Todos os anos tinha que descobrir cem léguas de costa occidental de África, tendo como contrapartida o exclusivo do comércio com os entrepostos que lá íamos criando. E devemos fazer isso. Talvez a realidade seja outra, mas é uma realidade irrecusável, a de criar essa estrutura. E temos que perceber que o centro demográfico, financeiro e económico do mundo se deslocou da zona euro atlântica para o Oriente: essa é uma realidade irrecusável e quem viaja pelo mundo sabe isso. Portanto, quando se invoca a excentricidade de Portugal em relação aos centros económicos, nós hoje somos tão excêntricos como em relação à China, Siungapura ou aos tigres asiáticos como é a Alemanha. Por isso, essa desculpa para mim já não chega. Nós temos, de facto, que ter empresários com visão. A sociedade civil tem que se libertar e criar condições para que o mar seja realmente o activo que julgo que é, e uma prioridade económica. Há estudos feitos como o do professor Ernâni Lopes, da Saer, agora há que concretizar.

Na economia do mar há mais alguns negócios promissores, do seu ponto de vista?
Acho que há e este estudo do mar que foi feito, tem a grande vantagem de ter uma aproximação holística ao problema, porque os diversos sectores não são estanques. Quando falo em tranportes, tenho que pensar na regulamentação dos transportes, no pessoal para guardencer os navios, tenho que pensar nos navios, na construção naval que é um imperativo. Temos que manter em Portugal uma capacidade de construção naval, militar designadamente, para termos alguna autonomia nesse aspecto. E acho que temos condições para isso. Hoje dizem-me, e os estudos confirmam, que apenas um 1,5% da frota mundial está em ‘lay-off' [parada por avarias e outras necessidades]. Portanto, há oportunidades de negócio grandes, de construção naval, inclusive. Mas já esteve perto de 30%: ista para nós percebermos o incremento do negócio do mar. É uma janela de oportunidade que temos de aproveitar. Mas voltando à construção naval: os estaleiros de hoje na Europa têm que ter duas componentes essencias: de gestão e engenharia. Porque não se pode competir com os países que têm a mão-de-obra muito barata. E portanto, o que temos que fazer é apostar na qualificação técnica e em coisas especiais que os outros não conseguem fazer. E temos que perceber que o mundo mudou. Esta é a questão esencial para nós portugueses e europeus. E esta questão vai ter implicações no futuro que já estão evidentes no presente, na minha maneira de ver.

Se o mar vale os 20 mil milhões de euros que referem os estudos recentes, valerá uma percentagem muito significativa do PIB? É esse o principal argumento?
O mar vale qualquer coisa como 10% a 12% do PIB. O que significa que tem de ser uma prioridade nacional e temos que apostar tudo nisto, porque esta é a nossa tecnologia. O mar é aquilo que nos diferencia do resto da Europa: sempre o foi na História, e por tanto temos que ter o mar como prioridade. Mas há uma questão absolutamente esencial, é que o mar não paga imediatamente: precisa de um planeamento a longo prazo e de um investimento.

Diz isso porque considera os portugueses impacientes?
Os portugueses são impacientes, porque querem retornos imediatos e no mar não há retornos imediatos. Mas há janelas de oportunidade.

Durante quanto tempo será preciso investir no mar, e em que valores, para obter retorno?
Na parte que conheço, na indústria naval, os investimentos são a dez anos, no mínimo. Nos portos, depende dos volumes investidos: mas tem que haver uma visão estratégica para os portos que não são só mar. São o mar, o interface mar-terra, e depois o transporte por dentro para o ‘interland'. E portanto tudo isso tem que ser visto de forma agregada, de uma forma em conjunto, de maneira a juntar as possibilidades que temos. Portugal, se juntarmos os portos portugueses e os puserem em comparação com os portos da Península Ibérica, dos nossos amigos espanhóis, verificamos que eles têm 90% do ‘share' dos contentores, e nós apenas 10%. Mas nós temos crescido ao ritmo de 10% ao ano, enquanto eles estão a crescer ao ritmo de 7%, isto até 2008.
A aposta no mar que se tem concretizado, de certa maneira em elementos que não são perceptíveis para a opinião pública nos últimos anos, vai começar a dar frutos. Até 2007 éramos a costa negra da Europa. Não tinhamos um sistema de controlo de tráfego marítimo ao logo da nossa costa, não tinhamos um sistema de comunicações adecuado de busca e salvamento. Tudo isso afasta. Agora há radares e comunicações, que foi um investimento importante feito pelo MInistério dos Transportes, com a nossa ajuda e a nossa opinião, mas que vai dar frutos. Não só isso, como o sistema de socorro e segurança marítima. Portanto, esses investimentos fazem com que a navegação se sinta segura nas nossas águas e esse é um papel importante que cabe à Marinha, que no meu entender tem desenvolvido exemplarmente: o de dar condições de segurança no sentido ‘security' e no sentido ‘safety', relativo à segurança das pessoas, para que as actividades económicas se possam desenvolver. Esse é um grande projecto e um grande desiderato, portanto as condições estão aí. Agora é preciso que a sociedade civil se liberte, que os empresários apareçam e aproveitem estas novas oportunidades.

Alguma vez Portugal explorou o mar melhor do que faz actualmente?
Certamente que explorou e quando o fez em condições fomos grandes na História, no século XV. Muito recentemente, e talvez não seja politicamente correcto o que vou dizer, mas vou tentar fazê-lo de maneira mais hábil: o nosso ‘back office', em relação à actividade produtiva do mar, cresceu desmesuradamente. Temos uma rectaguarda monstruosa para meia dúzia, ou uma linha da frente de navios pequena, que são a parte produtiva dos portos, etc. Portanto, esse ‘back office', não só cresceu mas interferiu mutuamente, e isso também é uma característica das democracias: dos debates, das ideias, etc. Mas nem sempre houve uma sintonia na visão estratégica que esse ‘back office' tem e deve ter em relação ao mar. E essa é uma questão absolutamente crucial, porque temos que construir.

É preciso um ‘back office' mais pequeno?
Temos que ter um ‘back office' muito menor, em relação à parte produtiva da Marinha que são os navios.

Houve uma substituição de emprego? Retirou-se pessoas da linha da frente para o ‘back office'?
Passou-se isso nos últimos 30 anos aquí em Portugal, na minha perspectiva. E das duas uma: ou diminuímos o ‘back office' e o adequamos à situação que temos na parte produtiva ou então mexemos à frente, fazendo crescer a parte produtiva de maneira que o ‘back office' se pague a si próprio. Não podemos ter duplicações e nesta situação sobretudo, de constrangimentos orçamentais, e com as actuais dificuldades financeiras. Não faz sentido de outra maneira. Não me parece.

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