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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

FÁRMACOS QUE VÊM DO MAR

Pesquisadores do INCT-INOFAR chamam a atenção para a “Amazônia Azul”, uma rica fonte de inspiração para novos medicamentos ainda pouco explorada

Por Lúcia Beatriz Torres

Com mais de 8 mil quilômetros de extensão litorânea, a “Amazônia Azul” guarda no mar um tesouro farmacológico tão rico quanto a área de terra da “Amazônia verde”.  Ainda pouco explorados pelos cientistas brasileiros, os organismos marinhos constituem-se com uma importante fonte de inspiração para novos medicamentos. Iniciada em meados do século XX, a Química de Produtos Naturais de Organismos Marinhos é uma ciência recente que toma fôlego, a cada dia, pela diversidade químico-biológica encontrada nos oceanos.


“Ciências do Mar: Herança para o Futuro” foi o eixo temático que norteou as discussões da 62a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A fim de trazer um panorama atual das Ciências Farmacêuticas, no que tange à obtenção de fármacos a partir de organismos marinhos, pesquisadores filiados ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fármacos e Medicamentos (INCT-INOFAR) estiveram na última semana de julho, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), para participar da 62a SBPC.

Dissertando sobre as oportunidades e desafios da diversidade químico-biológica da Amazônia Azul, Vanderlan da Silva Bolzani, professora titular do Instituto de Química da Unesp-Araraquara, membro do Comitê de Governança e Acompanhamento do INCT-INOFAR, apresentou uma conferência mostrando como o mar pode alavancar o estado da arte das pesquisas em Química de Produtos Naturais, no Brasil. Lídia Moreira Lima, professora do LASSBio da UFRJ, Superintendente Científico do INCT-INOFAR, participou de uma mesa-redonda sobre Produtos Naturais de Organismos Marinhos fazendo uma cronologia da descoberta de medicamentos inspirados no mar, apontando para as principais dificuldades inerentes a essa área de pesquisa.



Farmácia Marinha

Nós temos uma costa enorme, mas com uma exploração econômica ainda muito incipiente, quando observamos países como Chile, Japão, EUA e Austrália” – observou a professora Vanderlan Bolzani, da Unesp, citando uma variedade de aplicações biotecnológicas para os organismos marinhos. Além dos medicamentos, essa classe de produtos naturais que vem do mar também pode ser fonte para o desenvolvimento de alimentos nutracêuticos e cosméticos.

Para a pesquisadora é impossível trabalhar no ambiente marinho de forma isolada. Por ser uma ciência multidisciplinar, a Química de Produtos Naturais Marinhos exige a colaboração de químicos, biólogos, farmacologistas, farmacêuticos, médicos entre outras especialidades. “Precisamos formar recursos humanos para criar uma massa crítica capaz de estudar a ecologia química marinha. Só assim poderemos descobrir o universo fantástico dessas micro e macromoléculas, diluídas na imensidão dos oceanos” – ressaltou Bolzani. 

O ambiente marinho é extremamente atrativo para quem faz Química de Produtos Naturais, por causa da imensa diversidade químico-biológica que se encontra nos oceanos. Em alta profundidade, onde os organismos se desenvolvem em situações extremas, marcadas por condições severas de temperatura e pressão, essa diversidade  pode ser ainda maior. Para se proteger, esses organismos marinhos produzem substâncias tóxicas em alta concentração, biologicamente mais potentes do que aquelas encontradas em ambientes terrestres. Observando essa propriedade de defesa do organismo produtor, muitas substâncias extraídas de produtos naturais marinhos são testas como antitumorais. 

Nós temos pouca exploração dos ambientes naturais marinhos e zero desses ambientes extremos que é uma riqueza enorme” – chamou a atenção a professora Vanderlan Bolzani, que acredita no potencial dos pesquisadores jovens para desvendar a originalidade química dos organismos marinhos. Na sua opinião, essa diversidade é importante, pois pode atuar de maneira inédita em alvos moleculares já bastante conhecidos.



Cura que vem do mar

A primeira verdadeira descoberta oriunda das profundezas do mar, remonta ao início dos anos 50, a partir do trabalho de Bergman e colaboradores. Uma substância química, a espongouridina, encontrada em uma esponja marinha coletada no mar da Flórida, nos EUA, mostrou-se particularmente eficaz para combater certas formas de leucemia. Com base nessa substância, especialistas da área da Química Medicinal formularam sinteticamente análogos que resultaram na descoberta de dois fármacos. O citarabina, usado no tratamento da leucemia mielóide aguda e o vidarabina, um antiviral, prescrito para tratamento da herpes.

Embora menos numerosos, os produtos naturais marinhos já deram a sua contribuição na descoberta de alguns medicamentos, entretanto, essa comercialização se dá a nível sintético, pois não é possível o uso da fonte natural para fins comerciais face a escassez da matéria” – ressaltou o professora Lídia Moreira Lima, do LASSBio, UFRJ. Segundo a pesquisadora, embora o trabalho pioneiro de Bergman, em 1950, tenha sido o “ponto de partida” para os produtos naturais de origem marinha, seguido por algumas outras pesquisas na década de 60, a área ficou adormecida e parece ter ressurgido apenas no final dos anos 90.

Uma contribuição ímpar de produto natural marinho, servindo como fonte de inspiração para o desenvolvimento de fármacos sintéticos, partiu da mesma substância encontrada na esponja marinha estudada por Bergman. A espongouridina serviu de molde molecular para a criação de um derivado sintético que originou o azidotimidina, o AZT, primeiro recurso terapêutico para a Síndrome da Imuno-deficiência Adquirida (AIDS).

Peptídeo extraído do caramujo
Conus magnus deu origem ao medicamento Piralt®
Entre as conquistas da química vinda do mar está umpeptídeo, o ziconotídeo, extraído do caramujo marinho Conus magus, que deu origem ao medicamento Prialt® - analgésico não-opióide 100 vezes mais potente que a morfina. Isolada do ópio, em 1804, pelo farmacêutico alemão Friedrich Wilhelm Adam, por 200 anos, a morfina foi líder absoluta no mercado farmacêutico para o tratamento de dores crônicas.
Há poucos anos, com a descoberta do ziconotídeo, uma conotoxina isolada do caracol, passou a competir com um fármaco que veio do mar.




Amazônia Azul

O ambiente marinho da costa brasileira ainda é pouco estudado, entretanto, após uma consulta na base de dados do CNPq é possível verificar que pesquisa de microorganismos marinhos está crescendo no Brasil, com relação ao que era feito no passado. Nos últimos anos, cada vez mais substâncias vindas do mar estão entrando em estudos pré-clínicos. No entanto, para que um fármaco provindo da Amazônia Azul chegue ao mercado, há um longo caminho a ser percorrido.

Entre as recomendações das especialistas do INCT de Fármacos de Medicamentos (INCT-INOFAR) estão: o incentivo a formação de novos talentos na Química de Produtos Naturais Marinhos; fortalecimento de colaborações com especialistas em farmacologia e toxicologia para alavancar os estudos de substâncias biologicamente ativas já testada em screening preliminares; investimentos planejados e dirigidos na área e a aproximação com o setor industrial. Somente dessa forma será possível extrair da riqueza natural marinha brasileira uma fonte de inspiração para novos e melhores recursos terapêuticos na medicina.

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